segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Quem fala assim não é gago

Ai, não é, não senhor!



Até que enfim alguém vem falar em sexualidade irresponsável, paternalismo e desresponsabilização!
Perante a eterna e para sempre interminável discussão em torno da liberalização do aborto (que, no nosso país, atingiu o seu auge com a entrada em vigor de uma lei que, a meu ver, só veio desculpar a conduta de quem não consegue assumir as consequências dos seus actos), dá-me gosto ler qualquer coisa que não seja sobre "direito à vida vs direito de a mulher decidir sobre o seu próprio corpo". Vai daí, encontrei isto:

O aborto não é um contraceptivo
Foi anunciado o corte na comparticipação da ‘pílula’, com o argumento de que se poupariam muitos milhões ao Estado. Agora, as chamadas de última geração, com menos efeitos secundários, e tendencialmente mais usadas, já não o são, mas a avaliar pela poupança anunciada presume-se que haja muitas mulheres (das cerca de dois milhões de utilizadoras) que ainda usam a antiga, provavelmente até pelo facto de ser subsidiada. De qualquer forma, estamos a falar, em média, de 8 euros por embalagem das novas e 4,88 euros das ‘tradicionais’.
O Ministério da Saúde desvalorizou a medida, dizendo que a pílula é oferecida nos centros de saúde. Na prática, sabe-se que representa um número residual e constantemente sujeito a rotura de stocks, mas vamos partir do princípio de que as mulheres agora penalizadas corriam a pedi-la gratuitamente. O custo para o Estado seria, então, o dobro da poupança, o que deixa claro que o Ministério da Saúde sabe perfeitamente que tal não vai acontecer. É um argumento desonesto. Quando se celebram 50 anos de pílula contraceptiva, é tristemente simbólico este retrocesso. Mas argumentar contra a decisão com a ameaça de mais abortos, choca. Choca, porque é paternalista, e desresponsabiliza mulheres e homens. Não podemos aceitar que num país do primeiro mundo como Portugal este corte, sendo lamentável porque é menos um apoio, possa justificar uma sexualidade irresponsável ou que se aceite a possibilidade do uso do aborto como método contraceptivo. Colocar o ónus de uma gravidez ou aborto nos ombros do Estado é de uma leviandade inacreditável, um argumento que não pode servir de arma, mesmo para defender o que merece defesa.


Mas porque é que as pessoas têm a mania de culpar o Governo de tudo?! Pela troika eles são responsáveis, é verdade. Pelo aumento dos impostos. Pela República das Bananas em que nos tornámos. Agora, por gravidezes indesejadas?! Tenham dó!

Independentemente de se ser contra ou a favor, deve-se sempre respeitar a opinião alheia no que a este assunto respeita. Eu respeito quem é a favor. Mas não consigo concordar. Tenho os meus motivos, argumentos e conclusões. Sou assumidamente contra. E todos os que me rodeiam sabem isso; nunca o escondi. Mas não deixo de ter respeito pela opinião dos outros. Cada um sabe de si.

Já sei que se estão para aí a perguntar: "Ai, mas se soubesses que o bebé ia nascer deficiente? Se soubesses que havia grandes probabilidades de morrer na hora do parto? Se o bebé fosse fruto de uma relação sexual não consentida?". Não me importa. EU não abortava na mesma. Mas isso sou eu. Considero que um filho é uma dádiva, desde a sua concepção. Deus me proteja e não me dê um bebé com problemas de saúde. Mas isso não é por mim, é pela criança. O facto de ser ser mãe faz com que se esqueça tudo. Até a cara de um eventual violador. Porque ter um filho suplanta-nos, torna-nos melhores, dá-nos uma razão para viver quando tudo o resto corre ao contrário. E eu digo isto sem nunca ter sido mãe; mas tenho o exemplo da minha, que sempre viveu e ainda vive para mim e para o meu irmão (adultos e mais que crescidinhos!). Sempre nos demonstrou o maior amor do mundo. Nunca se inibiu em dizer que nos amava. Sempre nos fez sentir queridos, protegidos e acompanhados. E o mesmo fez o meu pai. Pode não ser uma pessoa de abraços e beijinhos (a minha mãe também exagera!), mas esteve sempre lá para nós. Nunca nos negou nada, nem mesmo quando o que pedíamos era em jeito de birra. Sou uma sortuda. Tenho pais que me desejaram e acolheram como uma extensão deles próprios. Espero conseguir fazer um dia com que os meus (futuros) filhos sintam o mesmo em relação a mim.

Sei bem que há muitas mulheres (e homens) que acham os meus fundamentos retrógados, conservadores, até moralistas. Não, a minha motivação não é religiosa (pese embora eu tenha referido Deus mais acima). É sentida, mesmo. A Igreja também é contra o uso da pílula e eu tomo-a; sem qualquer tipo de peso na consciência. Porque sei (sempre mo ensinaram) que a Bíblia é um conjunto de parábolas, não é para ser interpretada no seu sentido literal. E porque também sei que a Igreja-instituição foi alterando ao longo dos séculos o âmago daquilo que é o catolicismo. Bem, mas religiões à parte, que não é disso que estamos aqui a falar (sei lá se é Deus, se é Alá, se é Ganesha; é aquilo em que cada um acredita!), quero, uma vez mais, reiterar que sou capaz de ouvir e acatar a opinião daqueles que são a favor do aborto. Como eu tenho os meus, essas pessoas têm os seus motivos. Eu tenho amigos que são a favor do aborto e não é por isso que gosto menos deles. Conheço mulheres que já interromperam voluntariamente uma gravidez e não é por isso que as olho de lado. Apenas acho que podiam ter escolhido outro caminho...

Sobretudo, acho que é preciso, cada vez mais, falar aos miúdos desde cedo sobre a sexualidade (a sua e em geral). Para quê dizer a um menino de 9 anos que os bebés saem pela barriga da mãe, onde o Sr. Dr. faz um corte? Sim, saem. Em algumas situações. E nas outras? Nas outras explica-se. Não é preciso falar-lhes de sexo e muito menos dar-lhe uma conotação negativa. Eu revelei os factos todos ao meu afilhado mais velho (com 9 anos) de uma forma natural, sem constrangimentos, com recurso a imagens e apelando à biologia e anatomia humana. A reacção dele? Naturalíssima. Como se eu lhe tivesse explicado como é que se processa a passagem da água do estado líquido ao gasoso. Compreendeu perfeitamente e percebeu que é uma coisa da natureza: acontece com os humanos como com os animais. A palavra "sexo" nem veio à baila. Se ele a diz, é porque vê/ouve na televisão. Se ele vê um casal aos beijos, acha que vão ter sexo. Nem sei se ele sabe o que o sexo é. Eu cá não lhe expliquei. Mas ao menos não acredita que os bebés são trazidos pelas cegonhas e só por isso sinto que cumpri o meu dever.

Agora o que me custa (e surpreende, sobretudo!) é ter tido que tirar uma hora daquelas reservadas a uma das disciplinas que lecciono para explicar às minhas alunas (com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos - e todas sexualmente activas!) o que são os métodos contraceptivos e as doenças sexualmente transmissíveis. Andavam elas a tomar a pílula do dia seguinte 3 vezes por mês, a ter relações desprotegidas (sem preservativo) e a sua única preocupação era não engravidar (e as doenças, raparigas?!). A única DST que conheciam era a SIDA. Nunca ouviram falar de sífilis, gonorreia, clamídia... Da turma inteira, 99% afirmou que abortaria se descobrisse que estava grávida (a única que disse que não apareceu-me grávida um mês depois e decidiu ficar com o bebé, que a esta altura faltam poucas semanas para conhecer o mundo que o espera). É triste, esta realidade, não é? Onde estão os pais dessas crianças?? Crianças sim, porque a maturidade ali não abunda... Não as acompanham porquê? E não me venham cá dizer que a culpa é das escolas por não leccionarem a disciplina de Educação Sexual que há anos consta do programa curricular. As pessoas ainda não perceberam que a educação começa (e, em última instância acaba) em casa. A escola é um complemento e foca-se mais nos aspectos académicos. Formação cívica e pessoal aprende-se com quem nos cria e nos transmite valores. É que há uma coisa que se chama "escola da vida" e eu cá não gostava que os meus filhos assistissem a essas aulas sozinhos, sem o meu amparo...


11 comentários:

  1. Opá... que maravilha! Adorei a tua/minha perspectiva...
    À laia de brincadeira, digo ao marido, eu nunca abortaria na vida...excepto se engravidasse agora! É inevitável, o maior medo de uma recem mamã é engravidar...bolas ainda o outro dia sonhei com isso outra vez!

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  2. É verdade, Dreia!
    Já tenho lido no teu blog os teus receios em relação a uma nova gravidez neste momento. Era coisa para "pegar de cabeça"! Mas sabes que conheço vários irmãos que têm 10 meses de diferença? Foi chegar a casa com um e fazer o outro... LOL
    Deve ser mesmo o teu pior pesadelo!;)

    P.S. - Mas aposto que, ainda assim, não conseguirias abortar...

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  3. Carlinha, acho que pensaria no aborto, mas não sei se o faria de facto ao fazer a eco obrigatoria antes de se cpncretizar um aborto!

    P.S.- Eu e a Carisa temos 10 meses de diferença!! vê lá tu!

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  4. Dreia! Pois é... lembro-me que vocês tinham pouquíssima diferença de idade! Pobre da tua mãe! Se a Carisa era uma peste em bebé como aos 17 anos... deve ter sido de loucos. Que é feito dela? Não a vejo há buééé de tempo!
    Bjs

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  5. Em primeiro lugar, gostei muito do que li :)
    Agora sou a favor do aborto, uma vez que, já é legal em casos de violação entre outros casos, que era o que me metia mais confusão.
    tal como tu respeito quem o faz e pelos motivos que o faz, mas deviam pensar melhor se o usam como método contraceptivo, pois pode chegar o dia que querem ter essa "dádiva da vida" como tu mesma disseste e não conseguem ter.
    Em segundo lugar lol, a pílula não é nem nunca será o único método contraceptivo disponível, hoje em dia qualquer pessoa compra uma caixa de preservativos a 1€ (podem não ser os melhores) mas sempre é melhor que optarem pelo aborto e se não querem engravidar, melhor, melhor é nem fazer ;)

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  6. Grande lição,tão sabiamente escrita. Chegou a comover-me.
    Quer parecer-me que és uma GRANDE pessoa, Carlinha ;)

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  7. Obrigada, Cláudia!
    Cada palavra foi sentida.
    Quero muito ter um filho e faz-me confusão ver que tipo de pais e, consequentemente, que tipo de filhos a nossa sociedade gerou.
    Definitivamente, "Nosso Senhor dá nozes a quem não tem dentes".

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  8. Tens uma visão muito válida e apresentas excelentes argumentos, mesmo que eu seja a favor de aborto até certo tempo ou por razões de deficiência, ou por razões criminais.
    O que não posso de maneira nenhuma concordar contigo é dizeres que um filho faz esquecer a cara de um violador. Desculpa, pode ser que em alguns casos assim seja, mas não acredito que isto não esteja no sub-consciente mesmo destas mães que decidem avançar com a gravidez.
    Este é um tema que dá pano pra mangas, e apesar de eu ser a favor de alguma liberalização, não sou de toda também, pois concordo que há muita irresponsabilidade também.

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    1. Felizmente nunca passei por isso, por isso não escrevo com conhecimento de causa. Mas pela maneira fui educada e pelo tratamento que recebi (e recebo!) da minha própria mãe, aprendi um filho é algo superior a nós. E por isso mesmo acho, sinceramente, que o subconsciente da mãe violada não vai buscar o episódio macabro da sua concepção. Porque ser mãe é isso: olhar para o filho e ver nele o nosso mundo inteiro. Nada mais importa.
      Mas isso sou eu que digo... que nem mãe sou ainda!

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  9. Qual corte na barriga, qual quê? Há dias, um miúdo de 11 anos cuja mãe vai ter um filho em abril, bombardeou-me de perguntas plausíveis (o rapaz está assustadíssimo com a gravidez e com o que vai acontecer)e rematou o ramalhete com a história de que a irmã vinha de Paris, numa cesta carregada pela cegonha...Onze anos!!!

    ...Já estás a ver o desfecho da história, certo? Levei a manhã inteira a falar de cesarianas e partos normais, de abortos e de tanta coisa que até fiquei seca...No fim, mandei-os irem brincar com os carrinhos que ainda não têm idade para brincar com bonecas de carne e osso...
    Espero que a mãe tenha gostado do contra-interrogatório a que foi submetida em casa...

    ...Cegonhas em pleno 2012!

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  10. Ainda por cima, de Paris! É fina, a mãe do puto!
    Quer dizer: ela não podia vir ali das Sete Cidades ou até de Santa Maria. Nop, importadinha de França.
    Queria ser uma mosquinha para assistir à conversa entre mãe e filho... como será que ela descalçou essa bota? LOL

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