quarta-feira, 29 de maio de 2013

Eu não gosto de poesia

Eu não gosto de poesia. 
E grandes "guerras" tive com a minha professora de Português do Secundário por causa disso. Eu era uma adolescente rebelde, com a mania que sabia tudo. Não tinha tento na língua e dizia tudo o que pensava, sem fazer qualquer tipo de triagem. Ela, obstinada, insistia em fazer-me ver coisas que eu não queria. Aturou-me durante 3 anos e chegámos a discutir a forma dos átomos (!).

Começou com Cesário Verde e só arrancou de mim críticas. Uma palhaçada, aqueles textos! Punha as mãos à cabeça e dizia que em não sei quantas décadas a leccionar, eu era a única aluna que não tinha apreciado Cesário Verde; que os alunos gostavam sempre por ser dos tópicos mais fáceis... Nunca me convenceu. Mantive a minha teimosia até ao fim. Até hoje.

Bradava aos céus quando, nos testes, as minhas interpretações dos sonetos de Antero nada tinham a ver com as dela, nem com as grelhas de correcção que havia preparado. Gritava comigo e dizia-me que eu não podia seguir outro caminho que não a advocacia porque se uma coisa era vermelha e eu achava que era amarela, conseguia convencer as pessoas de que era mesmo amarela. Berrava porque não via Antero como eu, mas dava-me a nota máxima porque sentia-se, embora contrariada, obrigada a reconhecer que era uma interpretação válida. Eu convencia-a e ela não gostava disso.

Alvitrou uma vez que, quando chegássemos a Pessoa, aí é que ia ser o cabo dos trabalhos: eu não ia gostar, ia criticar, ia desestabilizar a turma. Enganou-se. A única poesia que consigo ler, para além do meu conterrâneo Antero de Quental (cuja obra filosófica também estudei com afinco), é justamente a de Fernando Pessoa. Ortónimo ou heterónimos.

Em Antero, gosto particularmente dos títulos em Latim (aluna de Latim apaixonada pela Roma antiga...) e da loucura evidente. A Pessoa, não posso deixar de reconhecer a habilidade de, por entre palavras, mostrar e, ao mesmo tempo, esconder outro tipo de loucura. Mas ela está lá, latente. 

É preciso um louco para reconhecer outro. Louca me assumo.
Continuo a não gostar de poesia. Sou mulher de prosas. De contos e romances, de histórias e aventuras. Não gosto de sentimentos.

Ficam dois que me tocam. Mas só estes dois. Porque repito: eu gosto mesmo é de prosa.


(Eu e a minha professora de Português gostávamos verdadeira e sinceramente uma da outra. Por isso é que discutíamos.)






AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor. 
Finge tão completamente 
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras sente. 

E os que lêem o que escreve, 
Na dor lida sentem bem, 
Não as duas que ele teve, 
Mas só a que eles não têm. 

E assim nas calhas de roda 
Gira, a entreter a razão, 
Esse comboio de corda 
Que se chama coração. 

Fernando Pessoa





VELUT UMBRA
Fumo e cismo. Os castelos do horizonte
Erguem-se, à tarde, e crescem, de mil cores,
E ora espalham no céu vivos ardores,
Ora fumam, vulcões de estranho monte...

Depois, que formas vagas vêm defronte,
Que parecem sonhar loucos amores?
Almas que vão, por entre luz e horrores,
Passando a barca desse aéreo Aqueronte

Apago o meu charuto quando apagas
Teu facho, oh sol... ficamos todos sós...
É nesta solidão que me consumo!

Oh nuvens do Ocidente, oh cousas vagas,
Bem vos entendo a cor, pois, como a vós,
Beleza e altura se me vão em fumo!


Antero de Quental


4 comentários:

  1. CoriscaRuim escreveu (e eu, distraída, em vez de publicar, eliminei) o seguinte comentário:

    A tua professora de português lembra-me a minha. Já que partilhámos a de filosofia (que deu brilhantemente Antero de Quental), não me parece de todo estranho que tenhamos tido a de português.
    E eu adorava Antero de Quental e o poema das Fadas, no meu canto favorito da escola :p

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  2. Não duvido que tenha sido a mesma professora, não senhora! :) Nikita!!!
    O que eu gostava de poder voltar ao Secundário...!

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  3. Eu adorava voltar, mas sabendo o que sei hoje :p

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  4. Minha cara, partilho a sua opinião...não gosto de poesia.


    Mas, atenção, isto porque hoje em dia a poesia tornou-se vulgar, ou tornaram-na vulgar. Toda a gente escreve ou acha que sabe escrever poesia.
    Muita gente conjuga apenas palavras como silêncio e noite, etc...e depois acha que está a fazer poesia...ridículos.

    Quanto a FP, quem não gostar, não é "humano".... :P

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