segunda-feira, 22 de julho de 2013

Competir a escrever #7

Na 6ª jornada do Campeonato Nacional de Escrita Criativa foi-nos proposto o seguinte desafio: "Recordar e escrever sobre uma das suas mudanças de casa."

A Claudiamar teve esta abordagem interessantíssima.
Eu saí-me com isto:



O meu pai estava na tropa quando disse à minha mãe que casariam assim que saísse dali. Disse, não pediu. Não tinham casa e ela não trabalhava, mas naquela altura e na minha terra era esse o curso normal das coisas: eles já namoravam (à janela) há demasiado tempo e ele queria despachar o assunto. Ela, submissa, assentiu. Sempre deixou que fosse ele a decidir tudo.
O meu pai ainda deu metade do último ordenado que recebeu antes de casar aos meus avós e levou de dote um cobertor e uma imagem da Sagrada Família. Tinha conseguido, no último ano, amealhar o suficiente para comprar um frigorífico e um fogão. Já a minha mãe, um bocadinho mais remediada, levou a mobília do quarto de cama e os pais pagaram-lhe a boda.
Receberam como presentes de casamento licoreiras e bomboneiras, copos com as personagens da novela das nove, lençóis e naperons. E foram viver para casa dos meus avós paternos, onde tinham um quarto, o respectivo espaço na cozinha e acesso à casa de banho e às outras divisões comuns. Nos outros quartos estavam os meus avós, os meus tios e os seus dois filhos e, enfiada no sótão, a minha tia mais nova, ainda adolescente.
Quando a vida o permitiu, os meus pais começaram a construir uma casa. Os trabalhos decorriam em função do dinheiro disponível, ou seja, lentamente. Recordo-me de ouvir a minha mãe referir-se àquelas paredes como "a casa nova" e eu experimentava, então, um sentimento bom. Seríamos só nós. Mas olhava para ela e reconhecia-lhe no rosto um semblante pesado e triste.
Da mudança em si, tenho apenas ténues memórias. Recordo um camião em frente à casa dos meus avós e revejo o meu pai e várias outras pessoas sem rosto a atirarem tudo o que era nosso lá para dentro. O meu berço, as minhas bonecas, as nossas roupas atiradas sem qualquer tipo de ordem ou arrumação. E a minha mãe a chorar. O meu pai tinha bebido e decidido que aquele era o dia.
A entrada na "casa nova" não me traz um sorriso aos lábios. Atormentam-me a confusão que ainda visualizo, a embriaguez do meu pai e a mágoa da minha mãe. Naquele dia houve mais do que uma mudança: a realidade a que assisti destroçou o coração e abalou o mundo de uma menina que tinha no pai o seu herói. 


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