terça-feira, 22 de maio de 2012

Mão leve?

Ontem tive a leitura do acórdão de um julgamento de tráfico de droga.
Três arguidos, três condenações e penas ligeiramente acima dos 4 anos de prisão. Suspensas, contudo... mediante a condição de os meninos fazerem tratamento à toxicodependência. Um deles era meu cliente e as criaturas até confessaram o crime, mas ainda assim não consigo deixar de pensar que se está a ser demasiado brando nestas situações, que são cada vez mais frequentes. 

Eu percebo a lógica por detrás da coisa: mandá-los para detrás das grades vai-nos custar dinheiro a todos (eu gostava que vocês vissem as condições em que os reclusos vivem... garanto-vos que não é nada como aparece nos filmes) e eles vão continuar a consumir (há praticamente mais droga lá dentro do que cá fora; toda a gente sabe). Quando saírem, voltam à mesma desgraça e o ciclo vicioso do consumo-tráfico nunca vai acabar.
Dando-lhes a oportunidade da suspensão da pena (que não é um perdão, atenção! Durante aqueles 4 anos eles estarão sob apertada vigilância e, ao mínimo deslize, dentro!) e obrigando-os a fazer o tratamento (que se não cumprirem, implica irem cumprir os tais 4 anos de prisão), estatisticamente há maiores probabilidades de sucesso na reabilitação daquela gente. Senão, vejamos: se o tratamento resultar, não há mais problema aditivo, eles deixam de ser consumidores, perdem a necessidade de traficar (que é apenas uma forma de ganhar dinheiro para poder comprar droga e consumi-la) e a coisa acaba por ali. Na melhor das hipóteses... porque também existem casos de indivíduos que, mesmo depois de um tratamento prolongado, recaem à primeira adversidade que se lhes apresenta. E aí todo o meu trabalho, o dos juízes, procuradores do Ministério Público, funcionários judiciais, assistentes sociais (ai, que se me dá uma coisinha má quando tento associar "trabalho" a estes senhores) e afins não serviu de nada.

Se a nossa justiça é demasiado benevolente? Se os juízes portugueses têm a "mãozinha leve" no que toca a aplicar penas? Talvez. Em algumas situações. Mas pelas razões que expus, nestes casos em concreto a forma como actuam é um "mal menor". Porque as penas visam a reabilitação do agente infractor e não a sua punição. Isso é o que a lei diz, porque muitos "criminosos" merecem, efectivamente, um castigo. E não é coisinha leve... Não percam as cenas do próximo capítulo.




8 comentários:

  1. acho bem uma aposta em eles se livrarem do que os está a destrui

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  2. A imagem é bem esclarecedora dos estragos físicos que a droga provoca. E é claro que também há os outros estragos que tão bem referiste.

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    1. Esta é apenas uma de muitas imagens.
      Podes ver mais aqui:
      http://www.juridicohightech.com.br/2011/07/da-droga-para-lama-imagens-chocantes.html
      http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=225

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    2. O pior é mesmo quando eles estão de tal forma pedrados que nem se conseguem manter em pé num banco de tribunal, por mais que eu os mande levantar... :(

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  3. Sendo má: o juiz quer umas fotografias jeitosas de gente que, supostamente, está cumprindo programas destes e dá-se ao luxo de traficar, mesmo aqui à porta de casa?» Hum? Hum? Não é para me levarem a mal, mas é o dia-a-dia aqui mesmo ao sair da porta...E mais histórias "havera" eu de contar se não tivesse um pouco de receio de levar uma cacetada mal dada...

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    1. Felizmente, os juízes lá vão sabendo o que eles fazem durante o suposto tratamento. É que são realizados testes periódicos e, como seria de esperar, não raras vezes acusam positivo para opiácios. É aí que o meu trabalho aumenta (sem receber um cu por isso), pois tenho que acompanhar as bestas ao tribunal para se justificarem e, na maior parte das vezes, levarem apenas uma reprimenda e verem ser-lhes dada mais uma oportunidade.
      Há uns que atinam, mas a maior parte não quer saber. Eles sabem que não podem consumir nada quando estão a fazer metadona. Ainda no outro dia eu estava a dizer isso a um, alertando-o para o facto de as "misturas" lhe poderem causar um piripaco. "Eh, senhora! Isso não é bem assim...". "Já vi que tens feito as tuas experiências", respondi-lhe eu. "Se tiveres uma overdose, melhor para mim, que deixo de ter trabalho - não pago - contigo". E virei-lhe as costas, deixando-o a olhar para mim com ar de tolo.

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