Ontem tive a leitura do acórdão de um julgamento de tráfico de droga.
Três arguidos, três condenações e penas ligeiramente acima dos 4 anos de prisão. Suspensas, contudo... mediante a condição de os meninos fazerem tratamento à toxicodependência. Um deles era meu cliente e as criaturas até confessaram o crime, mas ainda assim não consigo deixar de pensar que se está a ser demasiado brando nestas situações, que são cada vez mais frequentes.
Eu percebo a lógica por detrás da coisa: mandá-los para detrás das grades vai-nos custar dinheiro a todos (eu gostava que vocês vissem as condições em que os reclusos vivem... garanto-vos que não é nada como aparece nos filmes) e eles vão continuar a consumir (há praticamente mais droga lá dentro do que cá fora; toda a gente sabe). Quando saírem, voltam à mesma desgraça e o ciclo vicioso do consumo-tráfico nunca vai acabar.
Dando-lhes a oportunidade da suspensão da pena (que não é um perdão, atenção! Durante aqueles 4 anos eles estarão sob apertada vigilância e, ao mínimo deslize, dentro!) e obrigando-os a fazer o tratamento (que se não cumprirem, implica irem cumprir os tais 4 anos de prisão), estatisticamente há maiores probabilidades de sucesso na reabilitação daquela gente. Senão, vejamos: se o tratamento resultar, não há mais problema aditivo, eles deixam de ser consumidores, perdem a necessidade de traficar (que é apenas uma forma de ganhar dinheiro para poder comprar droga e consumi-la) e a coisa acaba por ali. Na melhor das hipóteses... porque também existem casos de indivíduos que, mesmo depois de um tratamento prolongado, recaem à primeira adversidade que se lhes apresenta. E aí todo o meu trabalho, o dos juízes, procuradores do Ministério Público, funcionários judiciais, assistentes sociais (ai, que se me dá uma coisinha má quando tento associar "trabalho" a estes senhores) e afins não serviu de nada.
Se a nossa justiça é demasiado benevolente? Se os juízes portugueses têm a "mãozinha leve" no que toca a aplicar penas? Talvez. Em algumas situações. Mas pelas razões que expus, nestes casos em concreto a forma como actuam é um "mal menor". Porque as penas visam a reabilitação do agente infractor e não a sua punição. Isso é o que a lei diz, porque muitos "criminosos" merecem, efectivamente, um castigo. E não é coisinha leve... Não percam as cenas do próximo capítulo.
acho bem uma aposta em eles se livrarem do que os está a destrui
ResponderEliminarÉ no sucesso dessa aposta que eu quero acreditar...
EliminarA imagem é bem esclarecedora dos estragos físicos que a droga provoca. E é claro que também há os outros estragos que tão bem referiste.
ResponderEliminarEsta é apenas uma de muitas imagens.
EliminarPodes ver mais aqui:
http://www.juridicohightech.com.br/2011/07/da-droga-para-lama-imagens-chocantes.html
http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=225
De arrepiar. :(
EliminarO pior é mesmo quando eles estão de tal forma pedrados que nem se conseguem manter em pé num banco de tribunal, por mais que eu os mande levantar... :(
EliminarSendo má: o juiz quer umas fotografias jeitosas de gente que, supostamente, está cumprindo programas destes e dá-se ao luxo de traficar, mesmo aqui à porta de casa?» Hum? Hum? Não é para me levarem a mal, mas é o dia-a-dia aqui mesmo ao sair da porta...E mais histórias "havera" eu de contar se não tivesse um pouco de receio de levar uma cacetada mal dada...
ResponderEliminarFelizmente, os juízes lá vão sabendo o que eles fazem durante o suposto tratamento. É que são realizados testes periódicos e, como seria de esperar, não raras vezes acusam positivo para opiácios. É aí que o meu trabalho aumenta (sem receber um cu por isso), pois tenho que acompanhar as bestas ao tribunal para se justificarem e, na maior parte das vezes, levarem apenas uma reprimenda e verem ser-lhes dada mais uma oportunidade.
EliminarHá uns que atinam, mas a maior parte não quer saber. Eles sabem que não podem consumir nada quando estão a fazer metadona. Ainda no outro dia eu estava a dizer isso a um, alertando-o para o facto de as "misturas" lhe poderem causar um piripaco. "Eh, senhora! Isso não é bem assim...". "Já vi que tens feito as tuas experiências", respondi-lhe eu. "Se tiveres uma overdose, melhor para mim, que deixo de ter trabalho - não pago - contigo". E virei-lhe as costas, deixando-o a olhar para mim com ar de tolo.