quinta-feira, 3 de maio de 2012

Crianças problemáticas - parte 1

O "Paulo" sempre foi um menino complicado.
Os pais divorciaram-se quando ele tinha 2 anos. Pouco depois, o pai dele, toxicodependente, ingressou no estabelecimento prisional para cumprir uma pena relativamente longa por diversos crimes. A mãe saiu de casa e deixou-o ao cuidado dos avós. Reconstruiu a sua vida com outro homem e teve outro filho. Quando o "Paulo" já tinha 8 anos, a mãe resolveu voltar a tê-lo junto de si.

Embora adorasse o irmão, não havia maneira de o "Paulo" se entender com o padrastro, que, segundo me confidenciou, era violento consigo e também toxicodependente (sem que a mãe soubesse), visto que lhe encontrou uns artefactos próprios para o consumo de substâncias ilícitas no carro sem que ele o tenha descoberto.

O "Paulo" era um miúdo extremamente inteligente, mas estava-se nas tintas para a escola. Era um aluno super difícil: não estudava, perturbava o decurso das aulas, portava-se mal com os colegas e professores e era frequentemente chamado à atenção no Conselho Executivo. Não obstante, quando queria e lhe apetecia, conseguia tirar 90% e 100% nas fichas de avaliação, mesmo sem ler uma página dos livros que fosse. Contam os anais da história que há um relatório elaborado por um(a) psicólogo(a) que o classificou sobredotado...
Para além desses problemas todos, começou a verificar-se um elevado absentismo escolar. Muitas vezes o "Paulo" passava horas fora da escola sem que soubessem o seu paradeiro. Quando tiveram conhecimento disso, e incapazes de pôr cobro à situação por não terem mão nele, a mãe e o padrasto do "Paulo" fizeram accionar um Processo de Promoção e Protecção, já ele contava com 13 anos.

Fui nomeada para representá-lo, por ser menor e lhe assitir esse direito. Confidenciou-me que, apesar de gostar muito da mãe, tinha-lhe uma grande mágoa por o ter abandonado tão pequenino e só se ter lembrado de o ir buscar quando ele já tinha 8 anos e ela uma vida totalmente nova.

Vi-lhe uma dor inexplicável nos olhos e ouvi-lhe um discurso que não se coadunava com a sua aparência de miúdo...




14 comentários:

  1. Estas histórias tocam-me tão fundo, estou sem palavras mas com muitas lágrimas.

    Beijinhos

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    1. Não te quero pôr a chorar mais, mas a pior parte da história nem é esta... :(

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    1. A pessoa em que ele se tornou é o espelho dessa mesma merda.

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  3. Infelizmente, já tive tantos "Paulos"...Vai daí, a minha teoria de baixo. Há mães e pais que não sabem o privilégio que é ter um filho...Em contrapartida, há coelhos e coelhas de duas patas que não sabem fazer outra coisa, sem olhar a meios. Abandonam, maltratam e, um dia, tentam recuperar algo que se partiu no momento do abandono...
    Abomino completa e totalmente gente assim!

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    1. E eu soube recentemente que ela teve mais um bebé há cerca de 1 ano ou 2. Já se passaram 5 anos desde que comecei a acompanhar este caso. E ainda não terminou. Ela vai no 3º marido. Um filho de cada. Quantas crianças traumatizadas pretende essa mulher deixar no mundo?!

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  4. Não te invejo nada Carlinha, eu fui voluntária durante anos numa instituição e ainda hoje consigo lembrar-me da dor nos olhos de algumas crianças.

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    1. É horrível, não é? :(
      Queres apagar a dor deles e dizer-lhes que vai correr tudo bem, mas a experiência tem-me mostrado o contrário... fica tudo pior ainda.

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  5. O que os pais fazem aos filhos.....Pena.

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    1. Mais valia não os terem. Ou, no caso desta, antes nunca o tivesse ido buscar a casa dos avós... Ele teria sofrido na mesma, mas aposto que não acabaria onde está hoje...

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  6. Gostei do texto. Bem escrito.
    Os "Paulos" fazem igualmente parte da minha vida e trago comigo um pouco da vida deles.
    Sonho por eles...
    Bj

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    1. Desde este "Paulo" que me tenho afastado um bocado de casos semelhantes. Ou pelo menos tento não me envolver tanto. Esta história marcou-me muito e dou por mim várias vezes a pensar neste rapaz e em como estará hoje.

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  7. Infelizmente o que mais existe por este mundo fora são "Paulos"...e para mim, não são crianças problemáticas, mas sim filhos de pessoas problemáticas, que nunca souberam ser pais!

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    1. Os pais é que fazem dos "Paulos" aquilo em que eles se tornam. Como se lhes tivessem passado uma deficiência genética, só que por opção própria. Quem não sabe brincar com os brinquedos, não os tem. Foi isto que os meus pais sempre me ensinaram.

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