quarta-feira, 18 de julho de 2012

10

Há exactamente dez anos atrás, por esta hora, estava eu no berçário do hospital a olhar-te embevecida, ainda meio atarantada com tanta emoção, enquanto tu berravas incessantemente e as enfermeiras corriam a preparar-te um biberão, pois chegaras esfomeado.
Foi uma noite cansativa e desesperante, mas o resultado não podia ter sido melhor. Quando te tive nos meus braços pela primeira vez, depois de tanto tempo a desejar-te, fui invadida por um sentimento imediato de posse: "É o meu menino e é lindo!".

Há imenso tempo que eu já pedia à tua mamã que nos arranjasse um bebé para a família. Ela recusava-se terminantemente, pois a tua mana já tinha quase 15 anos e a tua mãe dizia que não tinha paciência e que já nem se lembrava de como se cuidava de uma criança. Esqueci um bocado o assunto porque, entretanto, aos 18 anos, tive que fazer grandes mudanças na minha vida. Fui iniciar a minha aventura em Lisboa (cidade grande, tão diferente e assustadora, longe de tudo e de todos que eu conhecia e amava) e a tua mamã, como tia, madrinha e amiga, foi acompanhar-me em vez dos meus pais, mostrando-me uma vez mais que poderia contar com ela sempre... para tudo. Ajudou-me a instalar, mostrou-me como se organizava e geria uma casa, ficou comigo aquela primeira semana até se iniciarem as aulas da faculdade e dormiu comigo todas as noites, assegurando-me que tudo iria correr bem, que o tempo passaria depressa e que aquele era o caminho correcto para construir o meu futuro. O que não sabíamos é que tu já dormias no meio de nós... 

Foi por telefone que eu soube que vinhas a caminho. Que surpresa! Comecei logo a fazer as contas e tu devias nascer mesmo no final do ano lectivo. Conclusão: impus-me desde logo a obrigatoriedade de passar a todas as cadeiras logo no exame escrito, dispensando assim as orais; caso contrário, teria de ficar em Lisboa até finais de Julho e isso significava não poder estar pertinho de ti quando nascesses. E eu queria ser das primeiras pessoas a ver-te!

Após umas quantas ecografias em que não te deixaste ver por completo, lá por volta do 5º mês de gestação a tua mamã telefonou-me a dar a boa notícia: tal como eu previra (e queria!), era um menino! Lembro-me como se fosse hoje: a minha mãe tinha ido ter comigo a Lisboa durante uns dias e estávamos a jantar no McDonald's do Saldanha. Desatei logo aos gritos e pulos, que se agravaram quando a tua mamã me perguntou: "Queres ser a madrinha deste bebé?". Se eu queria...!
Sei que no dia seguinte fui logo comprar-te uma prenda: o teu primeiro fatinho. Com fundo branco e cheio de patinhos amarelos. O primeiro que vestiste assim que nasceste. Que lindo que ficavas!

De cada vez que vinha a S. Miguel durante aqueles 9 meses, passava horas a conversar com a tua mamã sobre ti: como serias, se nascerias gordinho ou magrinho, louro ou moreno, calminho ou irrequieto... A verdade é que já te tinha completamente idealizado na minha cabeça. Como se te tivesse desenhado e mandado fazer. E o produto não poderia ter chegado mais perfeito e fiel à encomenda.
Quando aterrei em Ponta Delgada, mesmo no final de Junho (eu não disse que ia fazer aquelas cadeiras todas à primeira?! Tinha que regressar depressa a casa, ora pois!), a primeira coisa que vi foi o barrigão da tua mãe e soube que não demorarias muito mais. Pouco mais de 2 semanas, foi o que tivémos de esperar.

Antes do dia D, ainda houve um falso alarme que me levou a ir a correr para o hospital às dez da noite, mas pelos vistos tinhas uns quaisquer unfinished business a tratar e, por isso, não te apetecia sair ainda... Mas o dia tinha que chegar. E lá fui eu novamente chamada por telefone. À noite (eu não digo que és dos meus?!). Fui buscar a tua irmã e seguimos para o hospital, para onde os teus pais já tinham ido. Ficámos na sala de espera do Bloco de Partos enquanto o teu papá entrou para acompanhar a tua mamã e assistir à tua chegada.
Conseguia distinguir os gritos dela por entre todos os outros. Das três parturientes que se encontravam a dar à luz (ou a tentar), a tua mãe foi a última a despachar-se. Percebes agora porque é que ela se queixa sempre de seres muito empatador e demorares tanto tempo a despachar-te? É trauma desde o primeiro dia...
A primeira parturiente calou-se. Teve o seu bebé. A segunda parturiente às tantas também se calou. Suponho que também tenha tido o seu. Mas a tua mãe continuava a gritar, a gritar... E a tua irmã ao meu lado, a chorar, indefesa, ansiosa que que aquilo tudo acabasse depressa. E eu a tentar acalmá-la, dizendo que era mesmo assim, que estava quase...
Às tantas abriu-se a porta e vimos sair o teu pai, as enfermeiras e a tua mãe, deitada na maca. Sorri, pensando que já estava, mas alguma coisa não me parecia bem. A barriga dela ainda estava do mesmo tamanho e não trazia nenhum bebé a seu lado. Passaram por nós e seguiram pelo corredor que levava ao Bloco Operatório. Só me lembro de perguntar o que se passava enquanto os seguíamos e de uma enfermeira me responder: "Calma! Vamos só fazer uma cesariana e está quase tudo pronto. Agora é rápido!". O teu pai quedou-se a meu lado, bem como a tua irmã, ambos muito nervosos e a chorar, enquanto eu tentava manter a calma e rezava silenciosamente para que corresse mesmo tudo bem.

Meia hora depois, sensivelmente, veio uma enfermeira à porta do Bloco Operatório dizer-nos que já tinhas nascido e que tanto tu como a tua mamã estavam bem. O teu pai entrou para ir ter convosco enquanto eu e a tua irmã deveríamos esperar. Mas eu ainda consegui pedir baixinho à enfermeira: "Não pode trazê-lo até aqui à porta só para podermos vê-lo rapidamente?". Ela sorriu e fez-me a vontade. Vieste todo embrulhadinho e ela colocou-te no meu colo ali mesmo. Olhaste-me com os teus olhos azuis enormes e eu senti, logo ali, que estávamos ligados para a vida.

As semanas que se seguiram foram de muito pouco sono e descanso. Tu só querias comer e não esperavas sequer duas horas entre cada biberão. Quase não dormias. A tua mamã estava assoberbada com tanta coisa e lutava contra uma depressão pós-parto. Eu ia ter ao vosso quarto a meio da noite porque estavas a berrar e encontrava-te no colo dela enquanto ela própria chorava por não conseguir lidar com tudo aquilo. Embalei-te, segurei-te enquanto ela te preparava o leitinho. Fiz-te adormecer. Dormi a teu lado. Foste crescendo e a mamã melhorando. E eu tive que regressar à minha vida, longe de ti. Longe fisicamente, mas sempre presente.

Sinto-te como meu filho. O meu primeiro filho. Foram muitos dias e noites passados juntos, sozinhos. Dei-te de comer, dei-te banho, aturei milhentas birras, levei-te a passear, brincámos juntos, dei-te muitos beijos e abraços, estraguei-te com mimos, fiz-te muitas vontades, mas também te ralhei. Fiz-te rir, fizeste-me rir e muitas vezes rimos juntos das outras pessoas. Somos cúmplices, mas também discutimos. Separam-nos 19 anos, mas os feitios são iguaizinhos: a resposta sempre na ponta da língua; o falar pelos cotovelos; o gostar de mandar, mas detestar receber ordens; o mau-humor matinal; a falta de sono à noite e o excesso dele de manhã... Não é à toa que as nossas mães dizem que parecemos mãe e filho.

Hoje celebraste o teu décimo aniversário. Amei-te cada um dos dias nesses dez anos que passaram. Como uma Mãe. Como uma Madrinha. Como a tua Dinha. Dinha: aquele nome que é só teu. Aquele que não suportas que mais alguém utilize para se dirigir a mim. Nem sequer a tua própria irmã, também minha afilhada. Porque te achas especial. E és...
Sei que sou correspondida nesse amor, pois é a mim que recorres quando precisas de ajuda, quando te queres divertir, quando tens dores de barriga ou quando simplesmente precisas de um bocadinho longe dos teus pais. Por mais que agora digas que és pré-adolescente e te esquives aos meus beijos e abraços (eu sei que te sufoco, mas foi assim até hoje e será sempre!), a verdade é que serás eternamente o meu bebé. E sei que adoras os meus mimos, mesmo que tentes parecer adulto e independente. Sei que estás sempre pronto a vir passar o fim-de-semana a minha casa para podermos dormir juntos no sofá; para que eu te possa preparar o pequeno-almoço e fazer-te festinhas enquanto vemos televisão juntos logo de manhã. Para podermos ir passear, rir, cantar, cozinhar juntos, tomar banho juntos, fazer galhofa e desarrumar tudo e acabar o dia comigo a fazer-te massagens até adormeceres, tal como tu gostas.

Espero que a vida te sorria sempre, meu anjo. Que te presenteie com um sorriso tão lindo como o teu! Por mais que te associem a birras, teimosia e mau-feitio (somos iguais, deixa lá as pessoas falarem), a verdade é que és um menino muito doce e carinhoso. Tens um bom coração e és muito inteligente. Serás quem desejares ser. Tens tudo para ser uma pessoa bem-formada, bem-sucedida e, sobretudo, muito feliz. E eu farei essa caminhada contigo. Estarei sempre a teu lado.



8 comentários:

  1. Tu és uma artista com as palavras, minha amiga: dás arrepios na espinha e fazes vir o mar aos olhos. É isso. Um beijo.

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    1. Oh, minha querida...! Obrigada! Foram palavras escritas com o coração, apenas isso. Um grande beijo

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  2. Respostas
    1. Toda! :)
      Olha que este ano ele já vai lá para a tua escola. Vigia-me a peste! :)

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  3. chorei...chorei...e chorei....
    MÁ!!!

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    1. Oh, aBelha! Então...? :)
      São palavras sentidas de uma Madrinha orgulhosa. E tenho razões para isso, não tenho? :)
      Bjs

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  4. Lá fiquei com a lágrima ao canto do olho! Parabéns ao teu baby! :)))

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    1. Obrigada! Está a crescer tão depressa! Mas será sempre o meu primeiro bebé, lá isso é verdade. :)

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