segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Carlinha e o Serviço de Urgências

Dezassete de Agosto de 2013.
Um sol de arrasar. Calor a rodos!
Maridão a fotografar um casamento (só a cerimónia). Carlinha a preparar-se para ir sozinha à praia.
Vontade de urinar, seguida imediatamente do devido encaminhamento para o wc. Carlinha sentada na sanita, algo no lado direito do ventre parece explodir de repente. Dores, dores, dores.
Levanto-me e vou até à cama, onde descansava Miss Emma. Deito-me e logo me levanto. As dores são horríveis. Volto ao wc. Sento-me. As dores são imensas. Volto para a cama. Ponho-me de joelhos. As dores são insuportáveis!
Choro, agarrada à barriga. A Emma, aflita por me ver assim, lambe-me repetidamente a cara. Só consigo pedir-lhe, entre lágrimas e suores frios, que se afaste. Transpiração, choro alternado com gemidos... "Apendicite! Só pode ser apendicite. Esta merda rebentou e tenho que ir ser operada!"

15h30. A cerimónia terminou agora mesmo. Ligo ao Maridão e a soluçar de dores peço-lhe que me leve ao hospital. O homem conduziu a 140 km/h e em menos de 5 minutos estava em casa. Carlinha, de roupa de ginástica e havaianas nos pés, só tem tempo de agarrar na mala (uma das novas, compradas com CoriscaRuim por ocasião da ida à Primark - se é para ir para o hospital mal vestida, ao menos que os acessórios sejam de jeito!) e segue para o carro. Banco reclinado, Carlinha semi-deitada. Maridão desta vez conduz a 160 km/h (se tivéssemos ido no MEU carro como ainda tive tempo de pedir, podíamos ter seguido a 200 km/h... :P) e com os quatro piscas ligados. Não sei se hei-de ter as pernas esticadas ou encolhidas... Matem-me já!
Como bom psicólogo que nunca seria, diz-me, nervoso, enquanto seguíamos viagem: "Se isso for apendicite, podes morrer disso. Sabes, não sabes? Prepara-te para ires já para a cirurgia...". Uma pessoa normal tentaria acalmar-me, dizer-me que ia ficar tudo bem. Mas não. O melhor mesmo é preparar-me para a morte...

Pneus do carro guincham com a travagem à porta das Urgências. Auxiliar dirige-se a mim com cadeira de rodas. Eu choro e choro e choro de dores... Maridão fica a fornecer os meus dados de identificação no guichet de entrada e eu sigo de imediato para a triagem. Enfermeira novinha a olhar para mim como um burro para um palácio. "O que é que a senhora tem...?", pergunta numa voz arrastada. Entre gemidos e a chorar compulsivamente, vocifero um "Estou a morrer, dói-me tudo, dêem-me drogas!". Ainda me veio ver a febre com a maior das calmas e pôs-se a escrever no computador "Paciente muito queixosa...". Puta que a pariu! Só não me levantei porque não podia. Mandei um berro e alguém veio empurrar a cadeira de rodas até uma sala com, pelo menos, 4 enfermeiros e 2 auxiliares. Toda eu tremia e transpirava. "Quero vomitar!" - estenderam-me um saquinho de plástico. Lancei um olhar que matava se pudesse e virei a cara, mostrando que não ia perder a (pouca) compostura que me faltava ali. 
"Onde é que lhe dói?!". Aponto para o lado direito da barriga, mesmo acima da virilha. "Ah, isso é uma cólica renal". Ai, o caralho...! Mas os rins não são cá atrás? Está tudo doido? "Dêem-me qualquer coisa para as dores!". O enfermeiro pede-me para ter calma e enfia-me o cateter nas costas da mão. Quase que levou uma chapada! Eta, que dores! Começo a sentir os membros dormentes e a respiração cada vez mais pesada. "Tenha calma! Você está a hiperventilar. Tente controlar a sua respiração". Apetecia-me era controlar um belo de um banano na cornadura dele, isso sim!

Empurram-me para fora da salinha e puseram-me, com a medicação a pingar-me pelas veia dentro, à mercê de qualquer médico que passasse naquele momento pelo corredor. Aproximou-se logo um que, olhando apenas para a minha cara, me disse "Isso foi um quisto no ovário que rebentou!". Ainda pensei que estivesse bêbado... E a apendicite, gente? Ninguém me apalpa a barriga? Ninguém vê se esta merda está a explodir aqui para dentro? Mandei-lhe um olhar de desprezo e concentrei-me na minha dor. "É desta que eu morro...". E no meio disto tudo, Maridão na sala de espera, que a política do hospital agora é a de não deixar entrar acompanhantes nas Urgências. Filhos da puta.

Dez minutos a revirar-me na cadeira de rodas e a medicação começa a fazer efeito. Olho para o balão: "Tramadol 100 mg". Não faço ideia do que é aquela merda, mas está a dar-me uma pedra do caraças. Tento escrever um sms ao Maridão, mas juro que adormeci por uns 15 segundos e a coisa só saiu à quarta tentativa... Meia hora depois estou a sentir-me melhor. Um ligeiro desconforto nas costas. Querem ver que afinal é a cólica renal de que o outro falava? Continuo à espera. Passa a snob da enfermeira. Pergunto-lhe o que é que ainda estou ali a fazer. "Aguardamos o resultado das suas análises para o Sr. Dr. as poder ver". "Posso levantar-me para ir à casa de banho, pelo menos?"."Ah, sim. Já agora traga um copinho de urina para mandarmos para analisar". Como é que é?! Agora é que esta atoleimada me pede a urina? Ainda a vão mandar para análise? Isso significa mais uma hora à espera, pelo menos... Deus me acuda!

Fui ao wc. Vim. Haviam-me roubado a cadeira de rodas. Uma auxiliar viu-me em pé com o balão do Tramadol na mão e uma cara de quem está capaz de matar pessoas e foi-me buscar outra. Sentei-me e esperei. Fui ao wc outra vez. Voltei para a minha cadeira (desta feita, ainda lá estava!). Continuei a esperar. Entretanto havia ficado sem bateria no telemóvel. Que seca! Mas porque é que eu não me lembrei de levar um livro?! Note to self: tenho que voltar a andar sempre com um livro na mala. Vi gente chegar e ir-se embora. Outros a serem internados. E eu sempre ali...
Chega, finalmente, um médico. Dá-me duas pancadas nas costas (rins?) e pergunta-me se dói. Mordi a língua para não responder "O que é que achas se eu te espetar dois murros no lombo, oh meu animal?!" e disse apenas que não era ali que estava o problema. "Sabe... é que as suas análises estão óptimas. Não estão muito boas... estão perfeitas, mesmo. Tenho que a mandar para o Bloco de Partos para ser vista pelos meus colegas da Ginecologia porque eu não sei o que é que você tem.". Minha Nossa Senhora!

Uma auxiliar agarra na cadeira de rodas, empurra-me para o elevador e avançamos para o desgraçado do Bloco de Partos (isso depois de me terem perguntado, desde que entrei, umas 20 vezes se estava grávida e de me terem feito, na análise ao sangue, o devido teste de gravidez...). Enfermeira sonsa atende-me. O que vale é que já não tinha dores... Conto a minha história. Novo teste de gravidez (aquilo é que foi urinar naquele dia!). Vai chamar a médica. Bloco de Partos em silêncio e completamente vazio. A lua não deve ter estado a favor, porque não havia parturientes aos guinchos. Parecia que estava numa ala fantasma do hospital. Chega a médica. Carlinha repete a história toda. Avisa que tem ovários policísticos diagnosticados há séculos. Médica inicia ecografia. Confunde ovário direito com esquerdo (hein?!). Diz-me que tenho o útero em retroversão (oi?). "Ai, preciso que vá encher a bexiga para ver melhor". É hoje que me torno uma mass murderer... Dão-um um jarro com 1,5 l de água e mandam-me tocar à campainha quando sentir a bexiga cheia. Por pouco não vomitei a puta da água.
Nova eco. "Ah, afinal o útero não está nada em reroversão". Reviro os olhos para não a chamar burra. Ovário direito, ovário esquerdo, folículos, quistos vários, ovário direito, não: esquerdo. Espera: direito. Mãããeee!!! "Preciso que agora vá esvaziar a bexiga". Decide-te, minha anta! Xixi fora, Carlinha deitada na marquesa novamente, de pernil completamente escanchado. Entretanto entra a enfermeira sonsa sem sequer bater à porta, olha-me para a "coisa" (um bocadinho de privacidade para a minha genitália, pode ser?) e diz-me que já me pode tirar o cateter da mão, pois já não há medicamento no balão. Saca daquela merda com força, aquilo esguicha sangue, manda-me pressionar com algodão como se nada fosse e mete-me um penso naquela bosta cheia de sangue, mesmo. Profissionalismo, hein?
"Vou fazer-lhe uma ecografia vaginal" - dispara a médica. Vejo a vida a andar para trás enquanto a mulher se põe a lubrificar o raio do instrumento (gigante!). Não custou muito, mas eu dispensava, obrigada. Voltou a trocar os ovários (são só dois, caramba!), mas lá alcançou o diagnóstico: um quisto rebentou e estava ali o líquido no Fundo de Saco. No problemo! "Organismo reabsorve! Muita água, muito repouso, Paracetamol e nada de relações sexuais nos próximos tempos. É normal. Pode dar-se de um momento para o outro. Pode voltar a acontecer com qualquer um dos outros quistos". Oh, que naturalidade...! Toma lá a alta. Vaca! 

São 20h30 e precipito-me porta das Urgências fora (não sem antes me ter enganado 3 vezes no andar enquanto tentava sair do elevador). Pago as taxas e sigo para casa. Uma semana de cama. Uma semana! :P

Aviso aos restantes quistos: lembre-se mais algum de rebentar e eu arranco-vos à dentada um a um. 
Ah! E se aquilo que eu senti se assemelha minimamente a um trabalho de parto, já não quero ter filhos, ok?
À Sra. Enfermeira que me tirou o cateter: vá à merda que ainda tenho a mão feita num oito!





  

6 comentários:

  1. Credo, salve seja, que eu até me ri (tu sabes como é o meu humor!) com a aventura. Mas só até à parte das fotos. Que diabo é aquilo?!?! Além do sangue por todo o lado, parece que foste vítima de violência doméstica, mulher! Salve seja a brutalidade!
    Pelo menos levaste a mala. Sorte a tua que aquela mala sobressai em qualquer lugar, com qualquer coisa, mesmo que com roupa de ginástica e chinelitos :p

    minh'alma está pasma!

    ResponderEliminar
  2. Meu Deus, o que me ri, peço desculpa, mas ri. Pois, pensei logo que era pedra na vesícula, porque o que me aconteceu era vagamente familiar com esta discrição. Afinal não, por isso, é que não sou médica.
    Mas sim, quando fui para o hospital com a minha crise de vesícula, apesar que eu não sabia o que tinha, e pensei logo na apêndice. E sim, morre se dessa merda, que tive uma prima a meia hora de se finar, mas ninguém quis ver a minha barriga ou outra coisa que fosse até duas horas depois de ter entrado nas urgências, em que fiz de tudo na salinha de espera, desde chorar, gritar, rebolar no chão, deitar-me eu sei lá que mais e toda a gente passava por mim como se eu fosse invisível... Mas o resto correu bem.
    Da segunda vez, eram tão fortes, mas tão fortes as dores que chamei uma ambulância para fazer 500m até ao hospital porque nem me conseguia levantar da cama.
    Aí entrei com prioridade e foi um instante a ser atendida por enfermeira e médico.
    Ah! Odeio levar soro, odeio, fico com a mão como ficaste, sempre, sem tirar nem por, nem sei o que me dói mais se a mão se a dor propriamente dita.
    E no hospital disseram que as crises da vesícula se compraram a dores de parto... Convém dizer que estou grávida de 26 semanas e não estou ansiosa pela hora H, e a juntar a isso, tenho o maldito do soro que devo levar com toda a certezinha na mão...
    Sou mariquinhas, sim senhor e não tenho vergonha de o dizer.
    As melhoras e adoro como escreves, sempre dá para me rir mesmo que seja da tua desgraça.
    Beijos

    ResponderEliminar
  3. Oh pá mulher, tenho pena de ti e de te imaginar como uma triste abandonada no corredor das urgências ( é horrivel ) e depois fiquei ainda com mais pena ao ver as fotos, mas não pude deixar de achar piada a todo o contexto. Sorry, mas mais parece uma cena de um filme de comédia. Espero que já esteja tudo bem. E não te preocupes com o ter um filho ! Não custa quase nada ! Desde que tenhas a bendita epidural.

    ResponderEliminar
  4. "Se isso for apendicite, podes morrer disso. Sabes, não sabes? "
    LOLOL
    Mt divertido

    ResponderEliminar
  5. Desculpa lá, mas aqui no gabinete a minha chefe pode dar pelas minhas várias expressões. O que tive de me conter, para não me chamarem doida varrida, ah ah ah. Adorei o relato (sem te ofender, é lógico, ainda bem que estás melhor).

    ResponderEliminar
  6. Tirar o cateter nao te fazia isso..provavelmente a veia rebentou..o que é normal acontecer nem tem haver com o facto de terem colocado mal e muito menos por tirar....que interessa é que já passou e está tudo bem!

    ResponderEliminar

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...