A propósito do post anterior...
Mia Couto escreve bem, mas não me 
convence. Peca por generalizar.
Não concordo quando ele diz que os 
problemas que nos conduziram a esta crise respeitam a uma geração. 
Dependem sim de cada casa, de cada família. A minha não se 
enquadra naquele cenário porque:
1. Os meus pais não me educaram, nem ao 
meu irmão, numa “abundância caprichosa”. Bem pelo contrário. A verdade é que 
nunca nos faltou nada, mas abundância foi coisa que não existiu e nós tínhamos o 
necessário e, sobretudo, o possível. Fomos e somos 
felizes.
2. Nunca tivemos uma semanada/mesada. 
Se precisássemos de algo, pedíamos. Não berrávamos nem esperneávamos pelo 
brinquedo X, pelo telemóvel Y, pela Playstation Z. Se os nossos pais nos 
pudessem dar naquela altura, tínhamos. Caso contrário, esperávamos até poder 
ser. Ninguém tem traumas de infância por causa 
disso.
3. Os meus pais ensinaram-nos aos dois, 
desde cedo, o significado de “trabalho”. Sempre ajudámos, quer nas tarefas da 
casa (o rapaz dessas safava-se sempre!), quer no minimercado. No Verão, 
ficávamos lá a ajudar o meu pai de manhã e à tarde é que íamos para a praia. 
Nada de putos mimados e ociosos a dormir até às 2 da tarde depois de terem 
passado a noite no Facebook. Hoje em dia, falar-se-ia em trabalho 
infantil…
4. Eu trabalho desde os 16 anos. Desde 
essa altura e até acabar o curso e vir de vez para S. Miguel, sempre trabalhei 
durante as férias de Verão. Todos os anos. Foi com o dinheiro que ganhei que 
comprei o primeiro telemóvel XPTO que me apeteceu ter. Foi com esse dinheiro que 
paguei a minha carta de condução. E foi também com esse dinheiro que pude 
satisfazer os meus caprichos (roupas, saídas à noite…). Se me caíram as 
mãozinhas? Não!
5. Fui privilegiada por ter podido 
licenciar-me. Foi com sacrifício que os meus pais me mandaram para Lisboa e lá 
me mantiveram durante 5 anos. Se fossem outros, poderiam ter dito “podes 
estudar, só que ficas na Universidade dos Açores”. Sempre lhes saía mais barato. 
Mas deixaram-me ser o que eu quis. Se hoje tenho o malfadado título de “Dra.” 
(mariquices!), a eles o devo. Estudei que me matei, é certo. Mas se eles não me 
tivessem pago o curso, de nada me tinha servido. A gratidão é bonita e eu 
gosto.
6. “Pagar o curso”, calma aí… Eu 
contraí, aos 18 anos, antes de ir para a faculdade, um crédito bancário de 
apoio/incentivo à formação. Para acrescer ao dinheiro que os meus pais podiam 
dar-me. Quando acabei a licenciatura, tive que começar a pagar o empréstimo ao 
banco. Quer dizer, portanto, que o curso acabou por me sair do lombo! Morri? 
Não, estou bem viva e bastante saudável.
7. Hoje em dia queimam-se etapas de 
crescimento, é verdade. Durante os 4 anos em que dei aulas vi putos com 16 anos, 
ainda com tabaco no umbigo, a quererem comportar-se como se tivessem 25. Para o 
mal, que para as responsabilidades eram muito novinhos…! Conclusão: uma acabou 
grávida aos 18, outros foram desistindo e os restantes por lá vão andando, 
asneira após asneira, arrastando para ali a sua vidinha até não terem mais idade 
para estudar e os mandarem para casa. São todos muito espertos e acham-se muito 
adultos, mas vai-se a ver e as suas capacidades de leitura estão ao nível das de 
uma criança da primeira classe e escrevem tudo com abreviaturas e “x” em vez de 
“ss” ou “ç” e dão erros de meia-noite (“iziste” em vez de “existe”; “isemplo” em 
vez de “exemplo”…). Não sabem quem é o Presidente da República e não acham que o 
direito de voto seja uma coisa assim tão importante. Resultado: quando eu 
corrigia testes era um tal pregar riscos a vermelho de cima a baixo; quando os 
apanhava na conversa sobre a telenovela, levavam com o marcador na cabeça; e 
quando se punham a olhar para anteontem era um beliscão torcido debaixo da asa. 
Se eu era má? Deixá-lo ser!
8. Quando eu lhes perguntava por 
perspectivas de futuro, respondiam-me “Quié iss’ pfssora?”. Uma disse-me uma 
vez, toda muito senhora de si, que não queria prosseguir estudos, que não queria 
casar, que pouco lhe apetecia trabalhar e que o que queria mesmo era ficar a 
viver em casa dos pais e ser sustentada por eles até aos 30, porque era isso que 
a irmã fazia. Pais como os dela, que admitem tamanho abuso, estão, na realidade, 
a criar pequenos parasitas, futuros criminosos ou beneficiários de Rendimento 
Social de Inserção. E nós sempre a pagar! Eu disse-lhe isso na cara e ela 
arregalou os olhos surpreendida. Como se receber o “rendimento mínimo” fosse 
alguma coisa errada… Já não muda, aquela.
9. A minha geração também quis crescer 
à pressa, reconheço. Eu cá acho que vivi tudo no tempo certo. Não fui santinha 
nenhuma e fartei-me de sair à noite, ir a festas, pintar a manta… Já passou. 
Isso agora já não me diz nada. Justamente porque o fiz quando era a altura para 
fazer. Por outro lado, tenho amigos que aos 30/35 continuam a levar uma vida de 
borga, de copos e de noitadas. Como se não trabalhassem no dia a seguir, nem 
tivessem filhos para criar. São opções de vida, pronto. Não vale é queixarem-se 
depois…
Ora, esses jovens mimados e os pais 
que os mimaram estão à rasca e queixam-se, mas foram eles que provocaram o 
actual estado das coisas (os políticos corruptos também, mas isso agora não 
interessa nada…).
Eu, que nunca recebi um subsídio de 
férias ou de Natal na vida, que pago IVA e faço retenção na fonte, que não 
esbanjo dinheiro em carros e pós-graduações de merda que só servem para encher 
papel no currículo, tenho razões para me queixar ou não? 
Os meus pais, que 
trabalham desde muito novos (o meu pai começou aos 7!), que pagam impostos, que 
criaram dois filhos como deve ser, que têm que andar atrás de clientes que não 
lhes pagam os fiados, que têm a casa hipotecada ao banco e que correm o risco de 
não vir a ter reforma caso a Segurança Social rebente como se prevê, estão ou 
não estão à rasca?
Desculpem-me a sinceridade, mas 
apetece-me mesmo é mandar tudo para a puta que 
pariu!

 

Muito bom!! 20 valores.
ResponderEliminarEstá tudo dito.
Obrigada pela nota, Sra. Professora. ;)
EliminarBeijos
Subscrevo na íntegra. Apenas uma coisa a acrescentar, esses mesmos meninos mimados são ainda aqueles que se colocam na linha da frente das manifestações a rebentar com petardos, apenas porque licenciaram-se em qualquer coisa, e ninguém foi ter com eles (sim, porque eles não são eles que vão procurar emprego) a oferecer-lhes um emprego bem remuerado.
ResponderEliminarEsses meninos queixam-se da falta de emprego depois de sairem das universidades porque querem é começar logo com ordenados de € 3.000,00. Um trabalho a sério e a ganhar menos do que isso é que nem pensar... :P
EliminarNão podia estar mais de acordo! Estes meninos de agora têm tudo de mão beijada! Acabam os cursos (em muito menos tempo que os nossos foram acabados) e querem ganhar logo muito dinheiro. E não fazem qualquer coisa, não. Também sempre trabalhei nas férias (enquanto estudava) e quando não fui colocada fazia o que aparecia, interessava-me o dinheiro para não estar a viver à conta dos meus pais. Sempre fui habituada a contar os cêntimos! Neste momento, faço muitas coisas depois do trabalho e não me queixo!
ResponderEliminarJá há tempos que não vinha aqui com calma: consola ler-te! CONTINUA! Beijos.
ResponderEliminarE eu já há tempos que não escrevo... Nem leio! :(
ResponderEliminarObrigada pelo elogio, linda.
Beijos