Já não ouvia isto há séculos, mas recentemente veio-me a melodia à cabeça e nunca mais parei de a cantarolar (inside my own head, claro está; que a voz é de cana rachada).
E o título da canção? Como é que eu chegava lá, diabo? Já tinha sabido até cantá-la de cor, mas isso foi no ano da graça de 2001. E como é que eu tenho a certeza da data? Porque estava no 1° ano de faculdade, a minha vida era uma seca e eu passava os serões de domingo a ver a Operação Triunfo (primeira edição) na RTP1. Num dos programas puseram um casalito a fazer um dueto (agora que penso nisso, bem ao estilo da Fanny e do João M.) com esta canção e eu fiquei vidrada na dita cuja.
E porquê, perguntam-me V. Exas.? Porquê? Porque o meu rico Lenny é metade desta laranja...
Depois de muito remexer na internet, virá-la do avesso e sacudir-lhe o pó, ei-la:
Ai, Lenny, Lenny!!! Que eu não me importava nada de ter sonhos "maus" contigo...
"Na terça-feira. D. Claudete, 92
anos, saco de compras na mão, vinda do supermercado, finou-se em pleno passeio
público, com um AVC fulminante.
D. Claudete vivia sozinha. A irmã, um pouco mais
nova, está moribunda no hospital há meses. Resta uma sobrinha, desempregada.
Foi ela que tratou do enterro. D. Claudete tinha
uma reforma de 200 euros e nenhuma poupança. O subsídio de funeral foi cortado.
A sobrinha, sem dinheiro, teve de optar pelo funeral em campa rasa.
No Alto de São João, vai D. Claudete em seu caixão
de pinho, quando um funcionário do cemitério tenta pregar um número
identificativo no esquife. O homem da funerária impede-o. “O caixão é para
devolver”, diz. O funcionário acompanha então o escasso cortejo, de quatro
pessoas, com um pau na mão e em cima o número identificativo.
O padre, por sua vez, pergunta se as quatro pessoas
presentes são católicas praticantes. Nenhuma é. O padre decide então que não
vai acompanhar o féretro. Um dos presentes explica ao padre, com alguma
irritação, que ele está ali por causa da senhora, católica praticante, e não
pelos presentes, e que é sua obrigação acompanhar D. Claudete à sua última
morada.
O padre permanece na sua recusa, até que a mesma
pessoa lhe pergunta quando custa ir até à campa rasa. 150 euros, responde a
santa alma. Recebido o dinheiro, o padre decide-se então a avançar.
Há uma escavadora que vai abrindo buracos, que hão
de servir de campas rasas, uns a seguir aos outros. Há terra revolvida e, com a
chuva, muita lama. Os sapatos enterram-se na lama que há de cobrir os mortos
sem posses.
Chegada à sua última morada, D. Claudete é retirada
do caixão e colocada no fundo da campa, através de cordas. O padre,
contrariado, lembra que do pó viemos e ao pó voltaremos. Os coveiros cobrem
rapidamente de terra D. Claudete. O funcionário espeta o pau com o número da
campa de D. Claudete. Ao lado, outras cinco covas esperam os seus
destinatários. A escavadora não para. Paf! Paf! Paf! Contas por alto, só nesse
dia havia 45 covas aguardando os donos a quem o progresso da nação não bafejou.
O homem da funerária leva o caixão para futuros
interessados. Um amigo da sobrinha desempregada paga parte dos 1100 euros que
custa, ainda assim, um funeral em campa rasa.
Está uma chuva miudinha. Os sapatos estão cheios de
lama. Os quatro acompanhantes de D. Claudete regressam lentamente à vida. Entre
eles, não está o ministro das Finanças, que não foi ao enterro porque não
conhecia D. Claudete, nem conhece milhares de outras D. Claudetes que, um dia
destes, se vão finar subitamente no passeio público ou em casa na solidão. E
que só poderão ser enterradas em campa rasa, porque o subsídio de funeral foi
cortado e já nem chega para tanto."
Um enterro "a corpo frio" (recordemos que o caixão serviu apenas de meio de transporte até à cova, tendo sido devolvido de imediato para ser depois reutilizado com outro desgraçado qualquer), com uma centena paga ao padre e uma milena aos gajos da funerária. Deve ser giro morrer em Portugal quando se é pobre...